Quando prescreve uma livrança ou uma letra?

A Lei Uniforme das Letras e Livranças é muito antiga e simples,
mas também é muito mal interpretada.

Existe uma diferença entre preclusão dos poderes de uma livrança, letra ou mesmo cheque, e a prescrição da dívida.

Um papel cambiário é um documento em que alguém reconhece uma dívida de uma forma especial que transmite ao credor algum conforto, pela celeridade e facilidade da cobrança.


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A importância das DATAS nas letras e livranças

Os avales prescrevem três anos após acionada a livrança ou letra

Quando alguém pede dinheiro emprestado, pode e deve reconhecer a sua dívida de qualquer forma.

Podem arranjar testemunha, podem escrever num pedaço de papel de mesa, ou num jornal, ou se quiserem um papel cheio de adornos, carimbos e assinaturas chamado “obrigação”.

 

Mas… depois se o devedor não pagar em tempo, como se cobra?  

 

O processo declarativo

É complicado! Começa-se pela chamada fase declarativa:

  1. Tem de começar por provar que se conhecem
  2. Depois que a assinatura é verdadeira
  3. Depois é preciso provar em tribunal que existiu um negócio
    • Porque ninguém fica a dever dinheiro sem nada em troca
      • ou recebeu dinheiro 
      • ou comprou um bem
      • ou prestou um serviço
  4. Depois é preciso provar que o produto ou bem estava em condições
  5. Portanto, a dívida só passa a existir perante a lei portuguesa depois de:
    1. o tribunal declarar que ela existe,
    2. passam-se anos e anos,
    3. recursos e recursos,
    4. embargos,
    5. perante a lei só no fim do processo é que a dívida existe.

Por fim, o tribunal declara que a dívida existe e termina a fase declarativa.  

 

Se nessa altura o devedor e o credor ainda estiverem vivos… passa-se então à fase executiva.

 

O processo executivo 

Agora que um tribunal declarou que a dívida existe, é preciso cobrá-la.

Começa assim a fase executiva.

  1. Apresenta-se a sentença declarativa ao tribunal
  2. O tribunal nomeia o agente de execução
  3. O agente procura contas bancárias e bens em nome do devedor

Mas já passaram tantos anos desde que se iniciou a fase declarativa que nunca se apanha nada.

 

Qual a diferença entre falência e insolvência? 

Mas, afinal, o que é um título executivo?

Torna-se agora relevante perceber o que são títulos executivos, conforme a lei os prevê, por forma a que sejam úteis num processo de cobrança. O Código Civil assim o que é um “título executivo”.

 

Novo artigo 703.º do CPC (antigo art. 46.º do antigo CPC de 1961)
Espécies de títulos executivos

1 – À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

 
  • Definição Insolvência
  • Definição Falência
  • Definição Bankrupcy
  • Situação económica difícil
  • Par Conditio Creditorium
  • Insolvencia limitada
  • Definição Comerciante
  • Def. Estabelecimento
 
 

Então qual a vantagem dos instrumentos ditos “cambiários”?

A livranças, letras e cheques, mesmo os pré-datados, poupam-nos da fase declarativa.

De facto, se o credor tiver o cuidado de antes de conceder o crédito pedir que o credor assine um destes instrumentos cambiários, evita ter de passar pela agonia do processo declarativo e salta diretamente para o processo executivo de cobrança da sua dívida, antes de o credor morrer ou esconder o seu património.

 

De facto, a livrança, a letra ou mesmo o cheque pré-datado são sempre um reconhecimento de dívida pelo devedor, escrito de forma especial e com formalismos especiais que lhe conferem a caraterística de ser um título executivo, que não necessita passar pela etapa da prova de dívida que constitui o processo declarativo.

 

Mas essas caraterísticas especiais dissipam-se, precludem, perdem-se se o credor assim o consentir.

Sim, trata-se de o credor dar o consentimento tácito.  

Se o devedor não paga e o credor não o executa, é porque o credor consente no atraso.

 

 

No caso dos cheques

Se o cheque se não for apresentado ao banco em cinco dias, preclude o direito a ser cobrado “à vista”, isto é, imediatamente.

De facto, não pagar um cheque à vista, num prazo de cinco dias após a sua emissão, é considerado crime.

Mas um cheque pré-datado, se for à cobrança mais de cinco dias após a sua emissão, é um mero título de dívida executivo. Mas não deixa de ser uma confissão de dívida.

Ou seja, não se pode colocar um processo-crime contra o devedor por falta de cobertura, porque o cheque pré-datado constitui uma mera promessa de pagamento futuro, e não cumprir uma dívida futura não é crime! É uma mera dívida.

 

No caso das letras

As letras têm/devem ter um negócio subjacente! Caso contrário são letras de favor, que não são títulos executivos, mas apenas um mero reconhecimento de uma dívida.

Por outro lado, as letras têm de ter sempre as datas da emissão e do vencimento. A sua simplicidade permite que sejam muito usadas para se obter crédito de curto prazo pelo fornecedor, que recebe a letra aceite pelo devedor. Esta utilização da letra é tão difundida que existe quem pense que é essa a sua única função.

Mas a verdadeira utilidade da letra é ser colocada na gaveta até ao seu vencimento e depois executada imediatamente. Se a letra for descontada no banco, o fornecedor que aceitou ser pago com ela tem uma dívida para com o banco e apenas o banco tem a sua letra. Apenas o banco a pode executar.

Portanto, pedir uma letra logo com a emissão da fatura ou aquando da renegociação da data de pagamento de uma fatura atrasada é uma ideia que poupa vários anos a litigar num processo declarativo.

 

No caso das livranças

As livranças são parecidas com as letras, com a diferença que o subjacente é sempre um empréstimo e não um fornecimento, e só podem ser usadas por instituições de crédito. Deste modo, os bancos e sociedades financeiras solicitam sempre uma livrança em branco, apenas assinada pelo devedor ou avalista.

Geralmente não colocam a data, mas pedem um papel assinado para poderem colocar a data quando quiserem. O que é legal!

Assim, a livrança apenas com uma assinatura não é nada, não é dívida nem título executivo enquanto não estiver preenchida com o valor e a data de vencimento.

Portanto, quando um banco desiste de cobrar “a bem” e decide avançar para os tribunais, preenche a data e é a partir desta data que ocorre a preclusão dos direitos do banco a executar o devedor como título executivo. Se o banco deixar passar esta data, o título de dívida perde o poder de ser um título executivo, passando o banco a ser detentor de um simples reconhecimento de dívida, tendo de começar pela “travessia do deserto” do processo declarativo antes de poder executar o devedor.

  

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  • Contabilidade Final
 

 

Resumindo: os direitos do credor

Os direitos do credor dono de uma livrança, letra ou mesmo cheque pré-datado precludem três anos depois da data inscrita no documento.

 

A LULL, Lei Uniforme das Letras e Livranças, descreve assim a prescrição em 1934:

 

Da prescrição
Artigo 70.º

Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do
protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula «sem
despesas».
As acções dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador prescrevem em seis meses a contar do dia
em que o endossante pagou a letra ou em que ele próprio foi accionado.

 

Ou seja, ao passar este prazo de três anos, os documentos cambiários deixam de ser títulos executivos que permitem ao credor saltar por cima do processo declarativo e ir imediatamente cobrar num rápido processo executivo.

 

Mas a dívida não se extinguiu, nem prescreveu!

Os documentos especiais com caraterísticas de título executivo é que perderam a condição, o privilégio, de um título que permite executar, e passaram a ser meros papéis em que o devedor reconhece uma dívida, e promete pagá-la.

Vejamos então como o Código Civil descreve uma promessa de dívida ou pagamento.

 

Artigo 458.º do Código Civil
(Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida)

1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.

 

Aparentemente cabe ao credor a prova de que a confissão de dívida é abusiva e sem nenhuma causa ou negócio subjacente. Mas a aparência cai sob o nº 2, porque geralmente nunca existe o documento subjacente que comprove o motivo da dívida.

No caso muito comum da letra de favor, percebe-se que, não existindo uma fatura subjacente, a prova da existência dos fundamentos da dívida cabe ao credor. Já se a letra contiver uma fatura, o credor está dispensado de fazer prova do negócio subjacente.

Resumindo, numa letra a indicação ou a falta da fatura subjacente à dívida tem o seguinte efeito:

0 – sem fatura indicada na letra, o credor tem de provar os fundamentos da dívida;

0 – com fatura indicada na letra, o devedor tem de provar que não deve.

 

Portanto, apenas passados três anos o ónus da prova da dívida regressa ao credor por via da preclusão do título executivo. É assim necessário agora que o credor explique ao tribunal porque deixou passar tanto tempo sem tentar cobrar a dívida, e atravessar um calvário de um processo declarativo cheio de recursos para que a sua livrança, letra ou cheque pré-datado voltem a ter o poder conferido aos títulos executivos.

 

Definição simplificada de inadimplência

  • Sociedade ou Empresa?
  • Empresa ou Estabelecimento?
  • Negócio ou Estabelecimento?
  • Extinção ou Dissolução?
  • Sócio ou Gerente?
  • Gestor de facto ou Direito?
  • Avalista ou Fiador?
  • Comerciante ou Pessoa?
 

 

Mas a partir de que data começam a contar os três anos da prescrição?

O prazo de prescrição não se conta desde o início da dívida, mas desde o momento em que deveria ter sido paga. Se se tratar de prestações, o contrato deve estabelecer as condições para a dívida se vencer toda de repente.

Por exemplo: ao fim de três prestações a dívida vence-se toda.

Já no caso das livranças que titulam dívidas aos bancos, a prescrição começa a contar desde que o banco avisa o devedor e/ou avalista que vai preencher a livrança e a preenche com uma data, que tem de ser posterior ao aviso.

 

Este acórdão recorda-nos que o credor tem o direito de despoletar a contagem dos prazos ao proceder ao preenchimento da letra ou da livrança entregue em branco como forma de garantia:

Acórdão: datas nas letras e livranças

 

Mas a coisa baralha-se um pouco, pois a prescrição do título executivo pode ser interrompida. A interrupção faz recomeçar a contagem dos prazos. Portanto, a prescrição começa a contar para o devedor ou avalista notificado quando o banco avisa os devedores e avalistas que colocou uma data na livrança.

 

Código Civil
Interrupção da prescrição

Artigo 323.º
(Interrupção promovida pelo titular)

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

 

 Repare-se que distintas pessoas podem ser notificadas em momentos diferentes, pelo que as prescrições do título executivo ocorrem em momentos diferentes.  

  

Qual a diferença entre estar: “insolvente”  versus  “situação económica difícil?

 

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CIRE - Legislação da Insolvência

A Insolvência contém Fiscalidade e potencia Reversões que dependem da Contabilidade

 

 

Prescrição do título executivo ou prescrição da dívida?

Como vimos ao longo deste artigo, a preclusão dos poderes executivos de uma letra, livrança ou cheque pré-datado é algo completamente distinto da prescrição da dívida.

Concluindo, a prescrição do título executivo apenas muda o ónus da prova do devedor para o credor:

  • deixa de ser o devedor que tem de provar que não deve e
  • passa a ser o credor que tem de provar que a dívida existe.

 

Neste acórdão do Tribunal de Guimarães explica-se um caso que ilustra muito bem os conceitos aqui descritos.

 

Referências do Acórdão:    

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Data do Acórdão: 09-10-2014
Processo: 423/13.5TBAMR-B.G1

   

Texto integral do acórdão: Prescrição da Dívida    versus     Preclusão do Título Cambiário

 

SUMÁRIO:

I – Não se encontra prescrita a acção cambiária contra o avalista, constando na livrança dada a execução a data de vencimento de 22.04.2013 e tendo a acção executiva dado entrada em 19.07.2013.

II – Não se encontrando prescrita a acção cambiária com base no título de crédito, não está o exequente obrigado a concretizar no requerimento executivo a relação subjacente à emissão da livrança.

(Sumário da relatora Helena Melo)

 

 

Este outro acórdão incide sobre o impacto da declaração de insolvência na prescrição dos avales

Referências do acórdão:    

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Data do Acórdão: 02/07/2008
Processo: 10143/2007-2

   

Texto integral do acórdão: prescrição do aval das livranças numa insolvência

SUMÁRIO:

 

I – É aplicável à acção do portador contra o avalista do aceitante, o prazo prescricional de três anos previsto no § 1º do art. 70º, da LULL.

II – Contando-se aquele prazo da data do vencimento das letras/livranças, e, no caso de livrança emitida em branco, desde o dia do vencimento aposto pelo exequente/beneficiário.

 

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ACÓRDÃOS  &  Insolvência

Acórdão aplicáveis aos mais virados aspecto da insolvência da sua fiscalidade,
dos planos e da exoneração.

 

 


A recordar: 

As livranças, letras ou mesmo os cheques pré-datados são títulos de dívida especiais com poderes executivos.

  • O poder executivo preclude ao fim de três anos
  • A dívida apenas prescreve ao fim de 20 anos

  

Concluindo:

A prescrição do título executivo apenas muda o ónus da prova do devedor para o credor:

  • deixa de ser o devedor que tem de provar que não deve e
  • passa a ser o credor que tem de provar que a dívida existe.

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João PM de Oliveira

Estratégias
na R€-estruturação de Passivos

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