Qual a legislação que protege os trabalhadores durante uma insolvência?
Existem dois códigos com legislação que entre inúmeras coisas regulam os direitos e deveres dos trabalhadores em pequenos artigos soltos e espalhados, ambos subalternos à Constituição, nomeadamente aos seus artigos 58º e 59º
- O CIRE, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas,
- O CT, o Código do Trabalho,
- Outra legislação dispersa.
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O CIRE tem cinco artigos espalhados ao longo do texto que são relevantes para os trabalhadores.
Além de outras referências aos direitos dos trabalhadores a participar e a serem ouvidos aquando das diversas decisões ao longo do processo de Insolvência.
- O art. 277º CIRE resumidamente diz que o CT se sobrepõe ao CIRE, apesar de o CIRE ser uma lei especial que se sobrepõe a quase todas as outras leis. Neste contexto, a declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar os contratos de trabalho de forma automática. Portanto, os efeitos da declaração de insolvência da empresa relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pelo Código do Trabalho. Assim, com a sentença de insolvência, o trabalhador continua com o mesmo vínculo à empresa, até que a sua situação seja definida pelo Administrador Judicial.
- O art. 113º clarifica, desnecessariamente, porque é óbvio, pelo que apenas enfatiza, que se o trabalhador insolver, a empresa nada tem a ver com isso. Logo, o contrato de trabalho mantém-se em vigência sem qualquer tipo de limitação, nem pode o trabalhador sofrer qualquer tipo de consequências por força da situação.
- O art. 111º afeta principalmente os recibos verdes e os contratos de avençados, advogados e CC/TOC, assistência a software e outros, e os dos vendedores à comissão que não tenham contrato de trabalho. Basicamente, a contrario, diz que se mantêm os contratos estritamente necessários à manutenção da atividade se a empresa estiver a tentar recuperar.
- O art. 172º, quando conjugado com os arts. 46º e 51º, todos do CIRE, permitem-nos distinguir o que são créditos dos trabalhadores sobre a insolvência ou sobre a massa. De facto, os créditos sobre a massa são pagos antes dos créditos sobre a insolvência.
- Assim, os salários referentes a trabalho prestado depois da declaração inicial do estado de insolvência são créditos sobre a massa, ou seja, são serviços prestados aos credores e já não à antiga empresa, pelo que deverão ser pagos antes de qualquer outro crédito.
- As compensações por antiguidade nascem apenas depois de os credores decidirem encerrar a empresa, mas como se constituíram antes da insolvência, ao longo dos anos de antiguidade são apenas créditos sobre a insolvência e pagos depois dos créditos sobre a massa.
- Por fim mas mais importante, as indemnizações decorrem de comportamentos errados da empresa para com o trabalhador, e nestes casos nascem da incorreta forma encontrada pelo administrador da insolvência para despedir os trabalhadores. Nestes casos todas as dividas aos trabalhadores por antiguidade e salários atrasados são convertidas em dívidas por indemnização, pelo que são dívidas da massa, pois foi o AJ que as despoletou, art. 51º,nº 1, d).
- O art. 55, nº4, estipula que se o administrador da insolvência quiser contratar algum trabalhador para o ajudar a encerrar ou liquidar a empresa, este contrato de trabalho com a massa termina com o encerramento de qualquer processo recuperação e o início da liquidação.
- Se o trabalhador for detentor de créditos laborais sobre a insolvência e não detiver outro meio de subsistência, para além do que deixou de poder angariar pelo seu trabalho, pode requerer junto do AI um subsídio a título de alimentos, retirado da massa insolvente (art. 84º do CIRE).
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Quanto ao Código do Trabalho, o CT, este debruça-se sobre a insolvência especialmente em quatro artigos relevantes.
Segundo o art. 333º do CT, os trabalhadores têm prioridade sobre outros credores (por exemplo, fornecedores e bancos) na satisfação dos seus créditos através da venda dos bens móveis que a empresa possua, prioridade que é referida na legislação por “privilégio creditório mobiliário geral”:
- O art. 347º, n.º 1, do Código do Trabalho, determina que a declaração de insolvência da empresa não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto a atividade da empresa não for definitivamente encerrada, ou seja, enquanto se estiverem a votar planos de recuperação, ou caso os credores decidirem terminar obras ou trabalhos em curso.
- Quando o AI considere que a colaboração dos trabalhadores já não é indispensável ao funcionamento da empresa, ou os credores determinem o encerramento do estabelecimento, o administrador pode decidir pela cessação, o fim, dos contratos de trabalho. Neste caso, o AJ terá de seguir os procedimentos previstos nos artigos 360º e ss. do Código do Trabalho referentes ao despedimento coletivo.
- O AJ só está dispensado destes procedimentos no caso das microempresas, com menos de dez trabalhadores, com as necessárias adaptações, tendo o trabalhador direito à compensação prevista no art. 366º do Código do Trabalho.
- Por fim, é de salientar que o pagamento de créditos de trabalho referentes aos contratos de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não sejam pagos pela empresa por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, são assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, conforme art. 336º do Código do Trabalho.
Mais recentemente, no caso dos PER, Processos Especiais de Revitalização, o mesmo Fundo também começou a assegurar o pagamento destes créditos com efeitos retroativos à entrada em vigor da lei.
Caso a empresa ou apenas o estabelecimento seja viabilizado por via da transmissão do estabelecimento, esta viabilização acarreta sempre a transmissão dos contratos de trabalho, nos termos do art. 285º CT, cabendo ao trabalhador provar que ali trabalhava, conforme o art. 333º do CT.
É sempre de referir alguma legislação avulsa a consultar quando aplicável:
- Fundo de Compensação do Trabalho, do Mecanismo Equivalente e do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho: Lei nº 70/2013, de 13-08
- Alteração a estes regimes: Decreto-Lei nº 210/2015, de 25-09
- Acidentes de trabalho art. 78º, Lei nº 98/2009, de 04-09
- Coletânea de legislação da ACT
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João PM de Oliveira
Estratégias na R€-estruturação de Passivos
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